Wednesday, October 11, 2006

A carreira de Escalhão (O juizo final)




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E se pensamos que as diligências do nosso motorista se ficam por aqui, bem enganados estamos.
Há tempos atrás servi de guia para um colega que se dirigiu à cidade fundada atravéz de foral de por D. Sancho em 1199 .
Procurava-se um parecer clínico de um senhor doutor lá da cidade que se tinha como um expert no seu ramo. E tendo eu nascido nesta cidade, ninguém melhor para servir de guia. Era só um pequeno gesto que não custava nada.
Como a carismática carreira só ia partir dali a três quartos-de-hora, decidi acompanhar o meu colega e assim evitar uma deslocação despropositada só para me levar à estação de camionagem. Decisão aparentemente sensata, não fosse o nosso médico demorar-se no seu parecer.
E quem me ia fazer a mim adivinhar que este senhor falava pelos cotovelos…?! Ele era de facto uma pessoa muito simpática e atenciosa, como já não se vê muito entre os Senhores doutores.
Começou por pegar em questões de cariz político… velhas rivalidades entre cidades que durante anos viveram voltadas de costas, e que agora têm como rastilho a disputa de uma maternidade.
A conversa estava interessante, mas urgia o tal parecer… eu tinha a carreira para apanhar e provavelmente o meu colega também tinha alguma ansiedade em ouvir o medico falar daquilo que lhe competia, ainda mais quanto também ele tinha que fazer uma viagem de regresso a casa.
E como se tratava de uma possível cirurgia, havia que explicar ao pormenor o que se passava recorrendo a fotografias ilustradas. E os desenhos eram tantos que no fim da aula de anatomia improvisada até eu me sentia capaz de realizar a operação.
De facto este médico era uma excelente pessoa e também muito profissional… em demasia, dadas as circunstâncias.
E é claro que os três quartos de hora foram mais que escassos para tanta retórica. Parece que a carreira ia partir sem mim.


Num gesto de grande dignidade, o meu colega ofereceu-se para me ir levar ao meu destino. Mas é claro que eu não podia aceitar tal cortesia como retribuição do meu pequeno gesto.
E já sem esperanças de encontrar o autocarro parado no seu lugar, e ainda assim, dirigimo-nos a toda a pressa para a estação (respeitando sempre os limites de velocidade, claro).
Escusado será dizer que a minha suposição estava certa. Nada de estranhar quando passavam mais de dez minutos da hora de partida.
No entanto saí do carro em direcção a um motorista que acabara de chegar e então com um ar de surpresa, perguntei se a carreira de Escalhão já tinha partido. (farto estava eu de saber que sim… mas não perdia nada... e como se costuma dizer, “quem tem boca vai a Roma”.
O meu destino não era propriamente Roma, mas dada a estrutura fortificada da minha vila quase-natal, bem que poderia ser a metrópole de um grande Império.
O motorista lá se lembrou de contactar o nosso chaufer que prontamente atendeu a chamada (é claro que provavelmente encostou à berma da estrada assinalando devidamente a manobra…nem se esperaria outra coisa..!).
Da conversa entre ambos, lá deu para me aperceber que a nossa carreira já estava nos arredores da Cidade.
Então recebo a agradável informação que o nosso chaufer ia aguardar junto a um posto de abastecimento de combustível até eu chegar.
Em circunstâncias normais era um percurso que, pelos atalhos certos levaria não mais de cinco minutos para se fazer de carro. Então a toda a pressa dirigi-me para o carro e indiquei o caminho até a minha carreira.


Mas parece que a minha sorte estava a mudar. A palavra contratempo fazia agora mais sentido que nunca, quando associada ao fenómeno hora-de-ponta. A cidade que se tem como Fiel, Friar e Formosa, era agora também Farta… de transito. ( Ainda lhe pertencem mais um ou dois F’s consoante o pudor de quem caracteriza)
E o curto percurso acabou por se fazer nuns eternos quinze minutos, que se para mim foram de angústia… nem me atrevo a imaginar qual o adjectivo a usar para o estado de espírito de toda aquela gente que aguardava a chegada de um tal passageiro tão especial que fizera parar a nossa carreira.
Chegados ao ponto de encontro, a coisa mais parecida que encontrei ao meu transporte foram umas miniaturas em brinquedo expostas numa loja dos 300 (1€50).
Lá se tinha ido a minha “boleia a pagar”.


Nestas alturas as certezas tornam-se incertas, por isso decidimos andar mais uns metros, não tivesse a empresa de combustível decidido abrir umas bombas de abastecimento mais à frente de aspecto mais modernizado (mesmo em tempo de crise no sector).
Já numa zona urbanizada, reparo que um “grande da estrada” estava estacionado numa rua transversal ocupando uns quantos lugares de estacionamento para veículos convencionais… só podia ser a minha carreira.
Ainda Incrédulo, saio do carro em direcção ao estranho autocarro. Foi então que reconheci o nosso chaufer. Confesso que naquele instante não sei fiquei envolto num sentimento de alivio se de grande culpa. A única coisa que posso dizer é que quando entrei na dita carreira mal sabia como encarar todas aquelas pessoas que involuntariamente tinham esperado por mim.
Acho que a minha expressão escusava qualquer pedido de desculpas, no entanto ainda me reprimo por não o ter feito… simplesmente não me saia qualquer vocábulo da boca.
Ainda meio atrapalhado lá tirei uns trocos do bolso para comprar o bilhete. Então com a maior da naturalidade e enquanto me fazia os trocos, o chaufer la me foi dizendo: “Então, deixou passar a hora? Quando for assim liga para a central que a gente espera…!” …Ok, sem palavras… Eu à espera de uma tremenda repreensão e o homem sai-se com esta…
Ainda eu não conhecia a craveira do senhor… Talvez agora não me surpreendesse tanto, mas há que reconhecer que este chaufer é um verdadeiro fenómeno de boa disposição.
Depois desta correria atribulada não se passou mais nada de especial…Só passamos dois vermelhos de controlo de velocidade… nos outros parámos! Também a culpa foi de que seguia à nossa frente que cumpriu à regra… Mas não se livraram de ouvir das boas por terem parado!


Por falar em quem seguia à nossa frente, nem quero imaginar a expressão de espanto do condutor do camião que nos atrasou quase todo o percurso quando de repente desaparecemos do “radar”…Sim que o nosso motorista teve a brilhante ideia de “inaugurar” uma nova via que ainda se encontrava fechada ao transito. Só aí recuperamos quase uns dez minutos.
Passar entre a sinalética que proibia não foi problema. Onde passa um carro… passa a nossa carreira. O pobre d camionista é que já não deve ter adormecido sem antes ouvir o ultimo bloco noticioso, não tivesse ocorrido nenhum despiste de autocarro de passageiros. Enfim... logo se recompões.


Escusado será dizer que toda esta situação me deixou super bem disposto.
E em defesa do senhor tenho a dizer o seguinte… Se esperou o tempo que esperou por mim… noutras ocasiões seria bem capaz de voltar atrás caso soubesse que algum passageiro tivesse ficado para trás numa das suas iniciativas de atalhar caminho.
Já agora um “bem haja” ao senhor por não ficado a pé e por me ter deixado ao fundo da minha rua… também por-me à porta de casa era abusar.


A titulo conclusivo gostaria apenas de deixar o meu humilde veredicto quanto à conduta do nosso chaufer:


Ponto um: Pena suapensa com promessa de tentar cumprir o mais possível o trajecto original, evitando saltar muitos vermelhos.
Ponto dois: Excepcionalmente é concedida ao chaufer autorização para parar em local indeviduo com o fim de deixar o “passageiro dos atrasos” ( ou seja, eu) visto que não prejudica o normal fluxo do transito, nem favorece uns em detrimento de outros.

1 Comments:

Blogger somoralebonscostumes said...

Sim eu sei, comi algumas palavras.. mas dá para perceber. Quando tiver tempo componho. Também isto não é nenhum manual escolar...lol

6:27 PM  

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